BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)

domingo, 19 de junho de 2016

A riqueza que me atrai


Ainda na Era Lula (toc toc), o ex-milionário Eike Batista era reverenciado e tapetes eram estendidos por onde passava. Nas redes sociais, também era grande o número de seguidores e admiradores da sua riqueza e sucesso. Por suas empresas "X", pelos carrões que possuía e por ter sido ele o homem que comeu e embarrigou a mulher mais deliciosa do Brasil. Eike, jovem empresário, milionário, amigo de políticos, era digno de admiração. Até que seu castelo de areia se desfez.

(Numa das raras aparições de Eike na TV, no programa Manhattan Connection, o jornalista Diogo Mainardi o desconstruiu, quando questionou a existência real de suas empresas, ou se era tudo obra de ficção de um especulador na bolsa de valores. A verdade veio mais tarde.)

Tenho um amigo que, costumeiramente, baba na gravata — expressão rodriguiana — ao falar que conhece com intimidade gente graúda, de importância por suas posses e altas cifras em bancos — os endinheirados. Sempre com a língua salivando, ele fala com admiração dos carros, mansões como se tudo fosse dele e que fosse me admirar como ele. Ouço atentamente, mas desconverso e tento mudar de assunto. Depois saio me perguntando: O que me interessa conhecer gente assim? Irá me dar uma grana quando eu lhe recorrer? Depois terei que reverenciar e beijar sua mão quando o encontrar, como um Godfather? Não me atrai gente pelo que carrega fora de si.

Penso, ainda, sempre na arrogância nos olhos e na voz alta e impostada.  Como se as espinhas do mundo tivessem que se dobrar aos seus pés e por cima dele nada existirá. A trilogia de O poderoso chefão dá a dimensão do poder que algumas pessoas conquistam e se impõem às demais. O beija-mão é frequente e a subserviência latente. Ninguém o pisará; ninguém o enganará; ninguém o trapaçará. Ninguém. Ele é o poderoso dono do mundo.

Não tenho nada contra os ricos e nem quero saber se o dinheiro veio de herança ou veio de assalto à Petrobras. O dinheiro nunca me atraiu com o propósito de poder e sucesso. Exceto se for para servir às coisas que me fazem ser um pouco melhor. Ser melhor, não na condição de ser respeitado por ele existir; mas ser respeitado pelo que me transformei com ele. Gosto de gente de inteligência rara e  humildade que afronta; que tem compromisso com a verdade e sem o dinheiro para se proteger.

Não sou também daqueles que acham que não deva haver riquezas no mundo nas mãos de alguns. Sem as riquezas muitas coisas não evoluiriam, como também se destroem. (Pesos e medidas.) O mundo sempre foi dominado por gente capaz. Uns sempre serão mais capazes que outros. E aqueles que têm mais capacidade para agir e crescer vão, sim, dominar os outros. Esses, por fim, se deixarão dominar, como uma forma de sobrevivência e proteção da sua própria miséria e ignorância. Longe de pensar que se você der riqueza a um pobre ele irá transformar aquilo em mais riqueza. É possível que faça, mas é mais fácil que volte a ser pobre rapidamente. Ele não tem discernimento (e inteligência) para fazer multiplicar sua fortuna.

A riqueza fácil é atraente. Essas correntes de sucesso espalhadas por aí têm como mote e chamariz o dinheiro. As pessoas são levadas a entrar e investir num negócio promissor, com o sonho dos carros, mansões, cruzeiros marítimos, iates, mulheres e a uma vida de pobreza ficando para trás. As pessoas mais interessadas nesse negócio, normalmente, são aquelas de pouca instrução, que não estão interessadas no conhecimento e no aprendizado da vida para construir a si mesmo, mas, tirar do mundo, só o que tem para usufruir. Como se a vida fosse uma laranja doce que se chupa até o bagaço.

Mas por que esse colóquio? No Brasil, especialmente, não basta você ser um expert, uma mente brilhante, um grande filósofo, catedrático e bom caráter. Ninguém irá olhar, admirar e reconhecer você na rua. Mas se você for um jogador de futebol famoso (sem estudo e vindo da pobreza), será aclamado e portas se abrirão por onde passar. As pessoas gostam do sucesso, mesmo que atrás dele exista um ser medíocre, sem alma e sem algo a mais a dar.

Essa subserviência ao dinheiro e seus possuidores é digno de uma nação como a nossa: pobre sob todos os aspectos; pobre de intelecto. O coronelismo e outras formas de dominação política e social nos fez muito admirar quem nos dominava. Nos EUA, ser rico não é uma condição para estar, por exemplo, acima da lei e pisar naquele que está abaixo do seu status social. Uma sociedade mais evoluída, não faz ninguém se curvar a ninguém pelo poder do dinheiro. Todos têm participação dentro da sociedade e gozam dos mesmos direitos e são cobrados pelos seus deveres. Já foi conversa e debate essa história "o que move o mundo é o dinheiro". Acho que o que move o mundo mesmo é poder.

Lula, para dar um exemplo, não é aquele milionário invejado por suas posses. (Mesmo por que ele esconde as que tem). Ele é aclamado (ou era), por seu poder. Sendo ele um grande articulador político, e ter tido, por alguns longos anos, posse da chave do cofre do país, passou a ser respeitado e aclamado. Ninguém é amigo de Lula; as pessoas só são interessadas no seu poder. A sua miséria intelectual é evidenciada nos mimos que lhes deram alguns empresários: um apartamento tríplex e um sitio em Atibaia. Isso foi até motivo de esculacho pelo prefeito do Rio Eduardo Paes, num dos telefonemas interceptados. Depois que essas gravações vieram a público, ficou claro que alguns dos seus interlocutores "amigos" se portavam como vassalos, por chamarem ele ainda de "presidente", como se tivessem diante de um Godfather. E assim ele se sentia.

Eis o que eu queria dizer. Numa relação, quando o dinheiro é o centro dela, as pessoas irão viver para o único intuito: conservá-lo ou torná-lo maior. E isso, é claro, não há lealdade alguma de sentimento, porque nas separações o que mais se discute é sobre a partilha dos bens e danem-se os filhos, o sentimento. Dinheiro por si só para o prazer e deleite.

Nas telas de cinema ou na vida real, o chamado golpe do baú, ainda é muito corriqueiro. As pessoas — e aqui não se distingue o sexo — se aproximam umas das outras por interesse no que a outra possui, e nunca pelo que sente. Naquela história dos arrependimentos no leito de morte parecerá para aquele que se vai, o quão pobre foi sua vida de mentira. Mentiu pra si o que sentia, mentiu quem amava, mentiu o que vivia. Mentiu a vida toda em troca de algo que não irá levar.

A riqueza que me atrai é a dos olhos; que vem da compaixão, da amizade, do amor. O jeito de receber com a alma o olhar da mulher amada, sem enleios ou interceptação — direto. Sem esperar em porvir e garantias, sem especulações em bolsas de valores, sem vazios de dor e preocupações vãs. O que me atrai é a riqueza que eleva o ser. E tudo que não se eleva é exatamente o desnecessário para a vida que se deixa para trás. Tudo que não compramos com dinheiro nenhum.

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / Junho de 2016

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