BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Sobrevivente




Sou sobrevivente de um mundo que não usava cinto de segurança;
De um mundo que tinha medo de misturar manga com leite (e Deus com o pecado);
De um mundo que tomava café com açúcar e leite com nata;
De um mundo que bebia água da moringa e da mangueira do jardim;
Sou sobrevivente de um mundo de pés descalços em ruas descalças;
De uma infância de carrinho de rolimã e joelhos ralados com merthiolate;
Ah... quantos aniversários sem bolo e parabéns. De Natal sem presente. Sobrevivi;
Sou sobrevivente do futebol de rua e da “queimada” com bola de meia pesada, na orelha;
Das linhas de cerol lambendo os fios da rede elétrica;
Sou sobrevivente da zoação no pátio da escola. Aquilo que hoje chamam de bullying;
Sou sobrevivente da porrada no portão da escola, das cusparadas na cara;
Sou sobrevivente de um mundo onde ninguém se importava com a fumaça do cigarro;
De um mundo onde, nas quermesses de igreja se soltavam rojões e os cães latiam, porque os cães latem, porra!;
Sou sobrevivente de uma adolescência sem Playstation e Smartphone;
De muitos verões debaixo do sol escaldante, sem filtro solar e com muito "rayito de sol";
De um mundo onde se criava muitos filhos, sem esperar nada do governo;
Sou sobrevivente de um tipo de educação acompanhada de muitas surras de pai e mãe;
De um modelo de disciplina, de aguentar reguadas na cabeça e puxões de orelha da professora;
Sou sobrevivente desse mundo austero, improvisado, sem muitos cuidados e perigoso;
Sobrevivi, sim, a uma noite de bebedeira ao volante, por uma paixão impossível, que o tempo depois curou;
Sobrevivi a todos os riscos que o mundo de hoje não suporta correr, porque acreditam que não há anjos da guarda;
Sobrevivi (por Deus e esses anjos), porque os sobreviventes contarão as histórias da vida de outrora e suas batalhas como lições;
Sobrevivi esses anos e a tudo isso para dizer a esse mundo babaca de agora, de uma gente vitimizada, infantilizada, mimizenta, ranhenta;
Para dizer a essa geração de covardes insanos, à essa geração “sete a um”, nutella, snowflake:

VOCÊS SÃO CHATOS PRA CARALHO!

© Antônio de Oliveira / arquiteto, urbanista e cronista / Janeiro de 2016

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