BEM-VINDOS À CRÔNICAS, ETC.


Amor é privilégio de maduros / estendidos na mais estreita cama, / que se torna a mais / larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo. / É isto, amor: o ganho não previsto, / o prêmio subterrâneo e coruscante, / leitura de relâmpago cifrado, /que, decifrado, nada mais existe / valendo a pena e o preço do terrestre, / salvo o minuto de ouro no relógio / minúsculo, vibrando no crepúsculo. / Amor é o que se aprende no limite, / depois de se arquivar toda a ciência / herdada, ouvida. / Amor começa tarde. (O Amor e seu tempoCarlos Drummond de Andrade)

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O ótimo, o medíocre e o idiota. Ou: Agora falando sério, Chico...

Começo escrevendo estas linhas ouvindo na minha vitrola virtual um dos meus álbuns favoritos. O disco “Meus caros amigos” de Chico Buarque, era obrigatoriamente tocado todos os dias lá em casa. Ainda fervilha na memória o som da agulha chiando (xii...) antes de entrar - sem introdução – a voz de Chico: “O que será que será / Que andam suspirando pelas alcovas...”. Em 1976, Chico ainda compunha suas canções de protesto sob metáforas. Muitas dessas músicas, hoje conhecidas, não existiriam se não houvesse a censura. A censura, ao contrário que muita gente imagina, o estimulava a criar.

Naquela época, o fedelho cronista aqui, queria ser Chico Buarque. Fiz alguns versos, mas nunca chegaram nem perto da sua genialidade, é claro. Então fui me ter com o violão e desse disco só saiu “Mulheres de Atenas”, cujos acordes e dedilhados sei décor até hoje. Só não me peçam para interpretá-la, pois sua letra é complexa e tem seis estrofes longas. Nem Chico sabia décor e por isso gravou o especial da TV Bandeirantes, com a letra ao lado. Essa vergonha de tocar violão em publico já me rubrou a face muitas vezes. Não toco.

Poucas pessoas sabem, mas sou assíduo freqüentador do Blog do jornalista político Reinaldo Azevedo. Petistas o detestam, e por eles o detestarem é que ele deve ser bom mesmo e deve ser lido. É uma lógica fácil de compreender, Reinaldo gosta de tratar a verdade como verdade e a mentira como mentira. Num de seus textos recentes, ao ser questionado por um dos leitores sobre a ausência da citação do nome de Chico Buarque, num tal manifesto da “esquerda intelectual” – se é que existem as duas coisas juntas ou separadas – em favor da candidata petista Dilma Rousseff, Reinaldo escreveu: “Há até quem diga que ele é o articulador [do manifesto]. Poder ser. Faria sentido. Chico é um ótimo letrista de MPB, um romancista medíocre e um idiota político. Não é de hoje”. Engoli seco. Ainda no embargo, refleti e depois disse a mim mesmo em voz baixa: ele tem razão... Talvez, eu nunca quisesse admitir, afinal é um ídolo sendo insultado e posto no banco dos réus, onde jamais imaginaria vê-lo. Podemos ser ótimos, medíocres e idiotas na mesma oração da vida. Por que não? Iremos brilhar no lado onde temos mais luz. Reinaldo e sua verdade desta vez me apunhalaram.

Tentei ler algumas das obras literárias que Chico escreveu e parei no meio do caminho, por falta de fôlego e emoção. Sua leitura é cansativa e não tem o lirismo e o capricho de suas canções. Seria como pedir a Machado de Assis escrever letras de músicas. Talvez, o encontrasse no mesmo ponto da mediocridade. Cada um na sua. Por isso, me considero um urbanista aprendiz de palavras e talvez fique no aprendizado a vida toda. Assim, me conservo longe do limite da mediocridade ou da idiotice e serei melhor naquilo que sei fazer bem. Minhas palavras são curtas e não têm a ânsia de romper fronteiras. Por muitas vezes é só um desafogo.

Em 1981, quando uma bomba explodiu no colo de um militar na porta do Riocentro, Chico era o anfitrião daquele show primeiro de maio. Aquela noite ficou marcada como um dos últimos capítulos de um enfretamento ao regime, que perdurou por longos 20 anos no país. Parte da arrecadação do show foi para o MR-8 – um movimento comunista clandestino que resistia àquela ditadura. Chico nunca se declarou engajado a partidos, mas já no período democrático começou a flertar com o PT e continua como um soldado, quando é convocado, ele está lá. Não me lembro também de declarações onde Chico tenha dito que é de “esquerda” ou que é um ateu convicto. Sempre fugiu desses assuntos polêmicos, embora parecesse ser ambos. Naquela época era muito comum comparar Chico a Caetano. Nas questões políticas, hoje fico com Caetano. Ele sempre se posicionou claramente, dizia o que pensava e continua dizendo - sem medo do patrulhamento.

Pô cara! Você é “chicólatra”, não vai com ele nessa? Não vou, e explico por que. Vou com Chico só na música e nas suas letras, onde ele é de fato ótimo. Outro dia parei para pensar no verdadeiro emprego da palavra dissociar e acho que ela seja talvez até mais importante que seu antônimo. Cérebros porosos e mentes ventiladas sabem dissociar informações, como um filtro da construção do nosso intelecto. Assim, como manga com leite, dois e dois são quatro e outras equações de obviedade igual. Sábio é o individuo que dissocia e filtra sob a luz da razão, do discernimento, da justiça e da verdade. Sem cabresto ideológico. Senão, fosse eu um sociólogo/escritor e não urbanista, naturalmente teria que ser de “esquerda”, ateu e andaria com Karl Marx embaixo do braço? Não! Desconstruo. Sou livre e penso como quero, carregado de princípios da minha formação e dissociando o que deve ser. Não pactuo e não dou meu voto de confiança a quem diz e desdiz antes de concluir o parágrafo (Eu odeio, eu adoro numa mesma oração – Chico Buarque). Quem - na política - usa da mentira como método. De certo, Chico, por seus princípios ideológicos, gosta disso. Eu não.

Não mudo uma vírgula de lugar quando trato de valores morais, de ética e de crenças. Já desisti de muitos políticos por isso. Na minha infância, quando me deitava para dormir, era minha mãe quem segurava minha mãozinha e junto comigo fazia “Pelo sinal da Santa Cruz, livrai-nos, Deus, Nosso Senhor, dos nossos inimigos”, depois a Ave Maria e o Pai nosso. Ela era pouco instruída e foi alfabetizada já adulta; nunca foi intelectual nenhuma, nem de esquerda nem de direita, mas ensinou tudo que precisava aprender. Não troco isso por qualquer pensamento idiota, rasteiro e bocó. Uma questão de princípio.

Quando leio crônicas políticas em que começa com polarização de esquerdas e direitas, paro logo de ler. Sempre a mesma ladainha. No cenário atual, não cabe mais isso, como ainda insistem alguns saudosistas. Não há divisão por raças, crenças, credos e posições políticas. Acredito que a melhor divisão - para posicionar o ser humano no mundo - está entre quem é do bem e quem não é. O que de fato faz todo o sentido do equilíbrio das forças do universo. Toda luz só se propaga onde há o breu, o escuro. Um não existe sem o outro. A escuridão só é percebida pela ausência de luz. Com o bem e o mal é assim também. No campo das relações humanas – onde a política atua – seria melhor se colocássemos todos os seus personagens juntos e separássemos os que são do bem e o que não são. O joio do trigo. O resto é balela, propagadas por ideais que os partidos mesmos não mais carregam em si. Hipocrisia pura e ingenuidade dos que adulam e douram a pílula em troca do encalço da verdade. Procuro olhar para dentro, para biografia de quem quer que seja o postulante. Sob ética, decência e competência.

Talvez, Chico esteja ainda fugindo do seu rótulo de “unanimidade nacional”. Se estiver, contribuo me dissociando da sua mediocridade e da sua idiotice, mas continuo preferindo os seus ótimos versos em canções: “Oh, pedaço de mim / Oh, metade arrancada de mim / Leva o vulto teu / Que a saudade é o revés de um parto...”. Saudade do Chico, aquele das canções.

© Antônio de Oliveira / arquiteto e urbanista / outubro de 2010.

14 comentários:

Anônimo disse...

As aparencias enganam. Diminui-se um conceito?

Justo disse...

Concordo 100% com o Reinaldo.
Ótimo o teu texto amigo.
Pena que o Brasil seja 87% medíocre...(ainda)

Perola disse...

Brilhante seu texto, parabéns Antonio! Me identifiquei muito porque eu sigo a mesma linha ética de pensamento que você, o qual aprendi desde pequena, com minha formação familiar Cristã. Aprendi que Deus oferece a cada ser humano ao nascer os dons que independem do material, a sabedoria e o discernimento para separarmos o "joio do trigo". Todos nós ricos e pobres recebemos, porém cabe a cada um colocarmos em prática ou ignorá-los. É uma questão de ética, caráter e consciência.
Divulgarei seu texto com prazer!

EASTEC disse...

Achei muito bom o teu texto, mas minhas referências musicais são outras, portanto, nem nisso eu e Chico convergimos...

Tio Dé disse...

Muito bom o comentário, preciso, e dessa forma esses pseudos intelectuais desconstroem sua imagem, para depois sairem de enganados como se aqui tivessem chegado há pouco.
Como me disseram um dia, "no passado nem Deus dá jeito, tá feito tá feito".
Certo e evidente que para Deus, não há limites, mas ele mesmo não seria anti-ético, pois responsabilidade com seus atos já era pregado pelo seu Filho, há mais de 2000 anos.
Parabéns .. AG

Heloisa disse...

Prezado Antonio,
Parabéns pelo texto e considerações. Concordo 100% com você e com o Reinaldo Azevedo, cujo blog também leio com frequencia. Tenho admiração pelo Chico poeta e músico, mas ignoro sua opção política como PTista.... É pena, o tempo passa, e alguns não melhoram........ Um grande abraço.

Olga disse...

Chego ao seu blog após ler seu comentário no blog coturnonoturno. Ah! criatura, que bom. Essa desconstrução eu a faço através do binômio "admiraçãoXdiscordância".Assim levo a vida.Que encontros maravilhosos essa eleição está proporcionando. Esse saldo é impagável. Não tem PT capaz de estancar essa desconstrução.E continue escrevendo. Sua escrita liberta.Um abraço.

Téo disse...

O texto é muito bom.O Chico Buarque não mudou, simplesmente o status quo daquela época não existe mais.O momento de hoje, com a eleição, é importante olharmos para nossos conceitos ideológicos, porque o homem - como disse Aristóteles - é um animal político, não que seja só em eleição, é sempre.O universo é regido por leis eternas e imutáveis, da mesma forma o Estado, mesmo dependendo dos atos humanos, é regido por uma constituição que expressa a própria natureza do Estado. Nos textos de Aristóteles, o conjunto ou associação formada por vários povoados resulta numa cidade perfeita com todos os meios para se auto abastecer , com o objetivo de oferecer bem-estar a todos.E pensando nisso, é errôneo dizer que você não têm lados.Você têm lados.Como disse em seu blog, tem que dissociar qual lado você está, qual quer ficar.Andar com Karl Marx debaixo do braço não significa ser ateu ou da "esquerda", significa aprender a dissociar idéias e aproveitá-las para sua vida.Não se pode ficar em cima do muro, querendo realmente sair da política, quando na verdade o ser humano está inserido.

Adriana Roos disse...

Oi Antonio, que ótimo poder contar com uma opinião semelhante a minha, em política, literatura e música!
Não foi a toa nossos caminhos se cruzarem na vida, creio eu, mais de uma vez.
Fiquei decepcionada com o Chico, mas lendo seu texto, realmente farei essa dissociação entre o músico, o escritor e o político.
Seus livros são mesmo muito RUINS, li até a ultima linha um deles, para no final ficar me sentindo como se tivesse perdido meu tempo. Li porque amo o Chico, músico, letrista... e pedi tempo!
Amo suas músicas, e isso, sempre vou continuar amando, são realmente ótimas.
Gosto da pessoa Chico Buarque, mas já nao posso gostar de suas opiniões políticas.
É fato.

Abraços

Roberto do Tom disse...

Obrigado pelo excelente texto. Eu também sempre achei a obra literaria de Chico confusa e prolixa, um saco de lêr, um contraste chapado com sua obra musical. Quem sabe seria do fato dele não ter tido Tom Jobim como parceiro em seus livros...
Quanto à PaTeticidade do mesmo, eu até pensara que ele estivesse decepcionado, desde 2003, como tantos de nós. Mas, o que concluo é que Chico Buarque é mesmo um brasileiro rançoso e míope em política.
Por conta disso,como ele não caiu no Real, dele já me desfiz de 22 elepes por 500.000.000,00 Cruzeiros, 7 CDs por 1.000.000,00 de Cruzados, dois livros por 1 Cruzado Novo e agora, de sua imagem de homem do bem por a de um mero pivete.

Fernando Antonio disse...

Meu amigo belo texto;
Mais fazer política. E um ato de amor ao próximo, uma escolha que á sua consciência lhe mostra.
Eu não digo que DEUS e ruim. mais já fizeram tanta ruindade em nome de DEUS ( escravidão estes (500 anos de Brasil a igreja sempre presente olha o que fizeram com o pobre os nordestinos e por ai a fora)
Chico e um brasileiro genial

Quarto de Despejo disse...

Excelente texto!
A definição do jornalista Reinaldo Azevedo é, em tempos de twitter,concisa e brilhante!
Sou,talvez, a única mulher que nunca achou que o Chico estivesse com essa bola toda.
Nunca consegui enteder o frisson que ele causa.
Gosto bastante de algumas músicas dele.E só.
Anos atrás, tentei ler "Estorvo".
Não teve jeito de engrenar.
E não me surpreendeu em nada o apoio a candidata oficial.
Talvez por lembrar até hoje do meu pai dizendo que ele, Chico, e o Niemeyer, já que achavam o comunismo tão bom, deveriam ir beber champagne em Cuba.
Lamentável!

Abraço.

Anttonioarq disse...

Agradeço a todos os comentários sobre o texto. A repercussão está sendo grande. Hoje faz 06 dias que postei e já conta com 514 visitas. Um record aqui no meu modesto Blog (rs).
Não é a proposta do Blog tratar de assuntos políticos, mas este foi uma exceção e valeu a pena escrever pela receptividade que teve. Obrigado pelo carinho. Vamos em frente.

ANA ROOS disse...

Cheguei ao seu blog com indicação de uma pessoa lá no Facebook, li um texto seu sobre as mulheres no trabalho, gostei e comentei, ai olhando um pouco mais achei CHICO, esse que tem o dom de encantar a gente com as suas lindas letras e músicas... O que sei do Chico político descobri aqui com você, nem vou me posicionar, mas quero te dizer que sua escrita é muito boa, texto longo, mas levado com inteligência, flui!

Parabéns... Estou te seguindo...
Beijos no coração